Este esteve para ser o último post de 2018, talvez um dos piores anos da minha vida. Mas demorou a escrever porque, quando passamos por experiências que nos marcam para a vida. Falar sobre elas é reviver cada momento, cada angustia e cada dor. Tudo outra vez... Depois há que processar tudo na nossa cabeça até conseguirmos falar ou escrever sobre o que nos aconteceu. Mais ainda, quando estamos a partilhar e a expor algo que nos fragiliza perante tantas pessoas que nos seguem e nos têm apenas como uma imagem na televisão ou no facebook, é como que um medo de passar a ser um ser humano mais real e mais frágil. Acreditem que isto não é fácil mas sei que o devo fazer. Para além de achar que como figura mais pública devo uma explicação a tantas pessoas que me mandam mensagens a perguntar o que se passa com a minha voz. Aqui vai...
Após
regressar de umas férias onde tinha ficado com uma tosse que não
melhorava, eu que nunca dou muita importância estas coisas de tosses e constipações, decidi saír do
escritório ao final de um dia de trabalho e ir às urgências, em vez de ir
para casa. Nas urgências onde fiz uma radiografia a médica de serviço
achou que poderia ter um problema na tiróide e mandou-me fazer um TAC de
urgência.
O TAC acusou uma massa grande no mediastino (na zona do tórax
imediatamente abaixo do pescoço) e o diagnóstico era 'provavelmente um linfoma', neste
caso um linfoma que é sempre maligno ou seja, um cancro, e que estava localizado entre a veia cava e a traqueia, e
que devido às dimensões estava já a pressionar a veia cava. Que é a veia principal que irriga o coração. Acho que não me lembro de nada do que aconteceu neste dia, porque a partir do momento em que ouvi a palavra cancro, entrei literalmente em modo anestesiada!
Felizmente
que tenho um grupo de amigos médicos que foram a minha grande rede de
suporte neste processo, e que para além de todo o apoio e de me conseguirem esclarecer todas as dúvidas, pânicos e inseguranças que surgiram foram
incansáveis na ajuda para encontrar os profissionais de saúde mais
indicados para me ajudar.
Tive
a 'divina' sorte de ir parar ás mãos de um extraordinário médico na CUF
Descobertas que teve o cuidado de ir investigar os meus exames
de anos anteriores e que percebeu em radiografias de 2013 e 2015, que
este tumor já lá estava a desenvolver-se e na altura passou
despercebido. Instalou-se a duvida de se seria um linfoma maligno ou não,
mas que era um caso para ser operado com urgência, pois nem punha a
hipótese de perder tempo com biopsias. Todo este processo foi tão rápido que mal tive tempo para processar tudo o que se estava a passar... O médico tentou sempre
tranquilizar-me e dizia que se era algo que já cá estava há algum
tempo, não poderia ser assim tão grave!... Quando dei por mim estava de operação marcada e exames feitos e a minha cabeça parecia um filme em fast forward!
Quando temos a nossa saúde nas
mãos dos médicos, eles passam imediatamente para uma figura de um Deus
na nossa cabeça, e tudo o que eles dizem é absorvido como uma lei e tentamos concentrar-nos
nas palavras deles, como se fossem a única coisa que nos tranquiliza nos
piores cenários. Fui operada no espaço de 15 dias, para retirar o tumor e
numa cirurgia de risco dado a localização em que se encontrava, e que
já estava a provocar outros sintomas por causa da compressão da veia
cava como cansaço, falta de ar, e edema (inchaço) dos membros superiores e
inferiores.
A
operação correu bem e com grande empenho por parte de toda a equipa
médica, no entanto tendo em conta a localização e dimensão do do tumor
ficou afectado o nervo recorrente que é o nosso nervo responsável por
falar, respirar e comer e por isso acordei da operação com medo de ter
um susto com o resultado do tumor mas afinal acordei com outro. Estava
com uma das cordas vocais paralisada e sem voz. Claro que se seguiram
alguns dias de pânico a pensar que não ía conseguir gravar mais o
Querido, que não iria conseguir trabalhar e falar com os clientes... enfim passa-nos tudo pela cabeça quando pensamos que podemos ter de deixar de fazer o que mais gostamos... Duas
semanas após a primeira operação e internamento e recobro, anestesia
geral etc. tive de passar por todo o processo outra vez... mas desta vez
para ser operada às cordas vocais e conseguir falar embora ainda tenha
um grande caminho a percorrer com tratamentos e terapia da voz.
Estes
momentos na nossa vida não só acontecem quando têm que acontecer e por
quase ironia do destino. O primeiro episódio desta série do Querido
Mudei a Casa foi gravado no IPO uma semana depois de ter feito o
primeiro TAC e ter sabido que podia ter um cancro maligno. As
probabilidades de estar 100% empenhada num projecto do Querido Mudei a
Casa num dos edifícios do IPO em Lisboa e de ficar a saber que
podia ter um cancro, são tão remotas que me fez pensar que parecia que alguém tinha escrito isto tudo e que eu não estava ali por acaso... Claro que vivi momentos
muito angustiantes durante todo o processo mas este episódio do programa teve em mim um peso ainda maior, e a esmagadora consciência para todos os aspectos
do cancro.
Mas pronto devem estar a pensar que pronto saiu o tumor e fiquei com uma corda vocal paralisada e que a história acaba aqui... mas não pois o diagnóstico do exame do
tumor que foi retirado teve de ter
analisado e voltado a analisar por patologistas que, ficaram muito confusos com o facto de efectivamente o tumor conter celulas
linfocitas (cancro maligno), mas que tendo estado tanto tempo dentro de
mim como é que eu ainda estava viva!!... Foi só ao fim de algum tempo que
chegou o diagnóstico que para além destes efeitos colaterais da
localização do tumor, tenho uma doença rara cuja estatística é de 23
pessoas diagnosticadas em um milhão, e que se chama doença de Castleman. No fundo trata-se de um linfoma benigno que se pode desenvolver na
região toráxica ou na região do abdómen e que, dependendo da sua
localização, pode tornar-se mais grave ou menos grave, operável ou não
operável. A forma localizada que
consiste na formação de um nódulo linfático localizado e que regride sem
sequelas após remoção cirúrgica, ou a forma multicêntrica que se espalha
e necessita de quimioterapia. De todos os momentos angustiantes e dos
sustos que passei nos últimos dois meses, felizmente que a minha foi a
primeira.
Claro
que as lições que aprendi nos últimos meses não têm conta... e a
maior parte delas todos nós já ouvimos nos testemunhos de casos de
doenças graves, mas cada caso é uma história e cada história é muito
pessoal. Estes são os que não vou esquecer...
Que nunca devemos ignorar os sintomas e os sinais que o nosso corpo nos
dá. Eu decidi ir ás urgências por causa de uma tosse persistente algo
que nunca faria, e que estava habituada a relativizar.
Que
os médicos só podem ser seres humanos com a extraordinária vocação, e
que escolhem a área da saúde com uma verdadeira paixão pelo que fazem pois no meu caminho cruzei-me com verdadeiros missionários da saúde.
Que
a família e os amigos são o chão que nos sustém nestes momentos, e eu
tenho a inacreditável sorte de ter extraordinários amigos, e que alguns também
são médicos, e que foram a minha rede de suporte diário, que me
protegeram das notícias dos piores cenários, que me indicaram o caminho,
que foram comigo às consultas, que fizeram as perguntas que eu nem me
lembrava de fazer, e me acompanharam quase até às portas do bloco
operatório, que estavam ao meu lado quando acordei no recobro das
operações, que ficaram tardes sentados no quarto do hospital quando eu mal conseguia falar porque a morfina para as dores era muita!...
Que
no momento em que sabemos que podemos morrer só pensamos no que é mais
importante na nossa vida e nas pessoas à nossa volta e deixamos de
pensar em nós. Eu
não tive medo de partir, só tive medo do sofrimento que ía causar aos
que cá ficavam... só pensava como é que vão ficar os meus dois filhos. O
Martim - o mais novo, e o que é que vai acontecer ao Querido Mudei a Casa - o que eu por piada
chamo de meu filho mais velho.
Esta foi também a razão pela qual tenho sido muito menos presente no blogue. Passei os últimos meses focada no trabalho mais urgente e na minha saúde. Prometo que vou ser mais presente este ano de 2019 e já tenho uma das minhas assistentes a fazer marcação cerrada e a pedir para fazer mais posts! LOL!!
Este texto podia não ter imagens porque as mais importantes, ficaram todas gravadas nas memórias... Esta foi uma das poucas fotos que tirei na versão piada, enquanto estava internada, para mandar aos amigos!... Tinha dois tubos no braço e mais um a drenar o pulmão, dores de morrer e não conseguia falar porque tinha uma corda vocal paralisada... era o meu estado nesta foto...
Já depois de ter escrito este post apercebi-me que hoje mesmo assinala-se o 'Dia Mundial de Luta contra o Cancro'. Nem me tinha apercebido disto quando o escrevi e há meses que estava para o publicar... ele há coisas!...
Até amanhã
Ana Antunes